E nós é pagamos as favas...

Aflições

“A crise que afecta os mercados é apenas o início de uma nova idade com mais pobreza e mais dificuldades”.

A crise internacional que agora está a chegar a Portugal traz, na tradição inquisitorial, a procura dos culpados. É uma cultura que herdámos, que nos está enfiada no sangue, arruinando o oxigénio que respiramos. Cada vez que se levanta um problema em vez de procurarmos soluções o primeiro impulso é andarmos à procura do culpado, saudosos das antigas fogueiras que purificavam feiticeiras e adúlteras. É verdade que existe um responsável primordial por tudo aquilo que se está a passar e tem nome. A governança de George Bush, com a loucura desenfreada da guerra, foi o princípio desta catástrofe. Há anos, logo a seguir aos atentados de 11 de Setembro para infelicidade minha e de todos nós, escrevi por várias vezes que esta guerra inexplicável contra o Afeganistão, contra o Iraque, o endurecimento de políticas bélicas a propósito do terrorismo, só poderia trazer o caos. E a verdade é que anos depois, bin Laden continua a rir às gargalhadas da estupidez de George Bush e nós todos estamos a pagar as favas do mais desastroso governo que nos últimos 50 anos governou os Estados Unidos.

Mas não é apenas a política de rapina sobre o petróleo que está na base desta crise. Esta é a ideologia produzida por uma cultura que elegeu o consumismo e o prazer como a fonte essencial da felicidade, cultura que as políticas financeiras dos Estados Unidos agravaram.

Desta forma, se queremos culpado, não procuremos apenas nos bancos de investimento. Temos de dar todos um passo em frente. Enveredámos por um caminho que uma casa não chegava para uma família, eram precisas duas ou três. Um carro não chegava, eram precisos dois ou três. Uma televisão não chegava, eram precisas duas ou três, e por aí fora. Já não satisfaziam férias na Caparica ou no Algarve, apenas destinos exóticos da América até à Ásia, mesmo comprando a crédito, e por aí fora. Esgotámos os nossos próprios processos interiores de auto-satisfação, endividámo-nos acima das nossas possibilidades, e agora, sem sabermos o que comprar com o mercado saturado de oferta e sem procura, sem dinheiro para pagar os compromissos bancários, sem possibilidade de vender a terceira casa, o terceiro carro e a terceira televisão, o caminho só poderia ser aquele a que chegámos. Se a isto tudo somarmos a especulação, a corrupção, a ilusão de que tudo é fácil, percebemos que o caldo desta cultura está estornado. A crise que afecta os mercados financeiros é apenas o início de uma nova idade com mais pobreza, mais desemprego, mais dificuldade.

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